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Nova regulamentação da contagem de tempo especial no serviço público: uma nova afronta à segurança jurídica

Por Francis Campos Bordas e Nathalie López Chuy

A exposição a agentes e condições especiais (insalubres, perigosas ou penosas) faz, há muito tempo, parte da realidade de milhões de trabalhadores, estejam eles no setor privado ou público. Em geral, a aposentadoria destes servidores é diferenciada. No setor público, este assunto tem sido muito discutido nos últimos anos, por vezes com avanços legislativos e jurisprudenciais e, em outros momentos, alguns recuos. O ano de 2013 se encerra como aquele em que ocorreram os maiores retrocessos.

O MPOG editou no apagar das luzes as Orientações Normativas 15 e 16 da SRH, que versam sobre o tema da contagem diferenciada de tempo e requisitos para aposentadoria àqueles servidores sujeitos a agentes especiais. Já em meados de 2013 o Governo Federal havia suspendido as anteriores ON 7/2007 e 10/2010, ambas sobre o mesmo assunto.

Essas novas regras que substituem as anteriores trazem um grande retrocesso e colocam em risco diversos atos já praticados, muitos dos quais já geraram efeitos concretos para muitas pessoas. Nestes últimos anos, diversos servidores se aposentaram, passaram a ganhar o abono de permanência, revisaram seus atos de jubilação, etc, tudo com base nas antigas Orientações editadas pelo Governo Federal.

Para uma compreensão melhor do cenário que se avizinha, é fundamental retomar alguns aspectos importantes:

1. Até dezembro de 1990 a grande maioria do funcionalismo estava sujeita às regras da CLT, e, consequentemente, às regras previdenciárias do Regime Geral da Previdência Social (INSS). Durante muitos anos a administração federal se negou a aplicar diversas regras previdenciárias aos servidores públicos, especialmente a contagem especial de tempo em condições insalubres ou perigosas. Isto levou ao ajuizamento de diversas ações que culminaram consolidando o entendimento favorável do STF, STJ e TCU à conversão do tempo (em geral pelo fator 1,2 para mulheres e 1,4 para homens).
2. Mesmo que parcialmente resolvida questão da contagem convertida do período celetista, restou um vácuo legislativo a partir da instituição do RJU (dez90) que fez com que se buscasse no STF (mandados de injunção) a garantia do direito aos critérios diferenciados de aposentadoria a quem estivesse sujeito a agentes insalubres e similares.
3. Sanada a omissão pelo STF foi editada a ON 10 em 2010 onde foi prevista, além da aposentadoria especial, a contagem convertida de tempo, pelos mesmos fatores referidos acima.
4. Seguiu-se, a partir de 2010, um período de razoável tranqüilidade, em que o tempo trabalhado antes de 1990 (CLT) era convertido com base na ON 07-2007 e aquele posterior (RJU) era contado na forma da ON 10-2010. Com isso, muitos se aposentaram ou passaram a ganhar o abono de permanência, entre outras tantas hipóteses decorrentes da contagem convertida.

O que é que muda, agora? Basicamente, altera-se a própria compreensão do que sejam os “critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria”. A partir de agora, de acordo com as novas orientações, não haverá mais conversão do tempo especial a contar de 1990, mas apenas a aposentadoria especial com proventos que não corresponderão à última remuneração. Além disso, com relação ao período anterior a 90 a nova ON 15 previu uma séria de documentos e formalidades que anteriormente não existiam.

O quadro abaixo resume e aponta as principais alterações trazidas, às quais dedicamos alguns breves comentários sobre o que julgamos serem os maiores problemas.

As duas Orientações preveem que os atos praticados com base nas normas anteriores serão revisados. É fácil notar a gravidade disto a partir de dois exemplos hipotéticos:

1) Imagine-se um servidor que se aposentou contando de forma convertida seu tempo de serviço, sem o que não teria preenchido o requisito da aposentadoria integral. Aposentou-se e logo em seguida completou 70 anos. Se eventualmente for desfeita a conversão de seu tempo de serviço sua aposentadoria será revisada e seus proventos passariam a ser proporcionais. Mais grave é que este servidor não poderá retornar à atividade por conta da idade.
2) Um professor com dedicação exclusiva se aposentou contando de forma convertida seu tempo de serviço especial. Em seguida tomou posse em outro cargo acumulável. Sendo desfeita a conversão do tempo, sua aposentadoria seria anulada e, consequentemente, teria que voltar à ativa. E o cargo novo? E a redução que sofrerá em seus ganhos?

Nos dois casos, as decisões de se aposentar foram tomadas pelo servidor com a certeza de que teria este direito, tanto que a própria administração regulamentou seus procedimentos neste sentido.

Mostra-se de todo irracional e incompreensível que a administração altere seus regulamentos e ordene que todos os atos anteriores devam ser revistos e desfeitos, causando incomensuráveis prejuízos aos servidores e suas famílias.

Chama também a atenção o fato de que estamos falando da regulamentação de um direito que está previsto na Constituição através de normas criadas de maneira unilateral pelo Poder Executivo, quando em verdade isto deveria ocorrer na forma de lei.

Por todos estes argumentos erigidos de maneira introdutória, fica claro que este tema consumirá uma boa parcela da atenção de servidores, dirigentes sindicais e assessores jurídicos neste ano que ora inicia. Convém recordar que o servidor poderá questionar em juízo a validade de qualquer ato que venha a ser praticado no sentido de desfazer o que foi feito. Acreditamos também que a própria alteração de entendimento sobre a conversão do tempo será questionada judicialmente.