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A quem interessa a PEC da Bengala?

Por Francis Campos Bordas

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, em segundo turno, a PEC 457/2005 (PEC da Bengala) que altera as regras para aposentadoria compulsória no serviço público, depois de uma década de tramitação.

O que foi decidido? Foi aprovada a alteração do artigo 40, §1º, inciso II da Constituição, de forma que torna possível a extensão da aposentadoria compulsória aos 75 nos casos a serem estabelecidos em Lei Complementar. Foi também aprovada a alteração do artigo 99 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que prevê, excepcionalmente, a aplicação imediata deste novo limite etário aos Ministros do STF e demais tribunais superiores.

Portanto, a alteração tem eficácia imediata apenas para um reduzido número de agentes públicos (não mais do que 100 pessoas). O que ficou em aberto é justamente o mais importante: a aplicação disso para as centenas de milhares de professores, pesquisadores, técnicos-administrativos, auditores, fiscais, gestores, enfim, cuidou-se do detalhe e empurrou-se com a barriga o tema principal.

Do ponto de vista prático, vimos novamente a transformação de um tema que extrema relevância em um “ringue político-partidário”. Boa parte do noticiário enfatiza ter havido uma derrota política do Governo Dilma (leia-se do Poder Executivo), pois estaria impedido de escolher novos ministros do STF durante seu mandato, caso estes optem por permanecer até os 75 anos de idade.

A elevação da idade para aposentadoria compulsória não é um assunto simples. Presumo (com provável ingenuidade) que tenha havido um estudo estatístico sobre as faixas etárias que compõem o funcionalismo nacional, as taxas de natalidade e mortalidade, a idade média de ingresso dos jovens no mercado de trabalho, etc. A relevância do tema é enorme, não podendo se limitar à idade de um pequeno grupo de agentes públicos (ministros do STF e demais tribunais e órgãos de controle).

Seria desrespeitoso questionar a capacidade laboral de diversos Ministros e a contribuição que poderão ainda dar à sociedade. Porém, é impossível não questionar o porquê do Congresso não ter feito uma discussão bem mais profunda e de interesse social: a forma de composição e escolha dos tribunais superiores, especialmente do STF.

Não nos surpreende o fato de que entidades representativas de vários segmentos jurídicos tenham se oposto à PEC da Bengala (Associação dos Magistrados do Brasil e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo). Há muito a sociedade brasileira questiona, critica e levanta suspeitas sobre o papel do Judiciário, e tudo por uma razão muito simples: trata-se de uma estrutura que reproduz um sistema e uma organização pré-Republicana, a começar com suas formas de indicação. A sociedade esperava dos parlamentares um debate bem mais profundo sobre o papel da última instância do Poder Judiciário e a criação de um típico Tribunal Constitucional, a exemplo do que ocorre mundo a fora. O que vimos, ao revés, foi a perpetração de um modelo ultrapassado e sobre o qual recaem críticas e pouco crédito do cidadão comum.

Enquanto isso, professores e pesquisadores que construíram sólidas carreiras no serviço público são expulsos, sendo que ainda poderiam contribuir em muito para a ciência, o ensino, o avanço tecnológico, etc. Este problema segue sem solução.

O que vimos, foi, em verdade, um palanque eleitoral no qual os interesses da sociedade e dos servidores não foram considerados. Aguardemos – sentados – a edição da lei complementar para tratar da aposentadoria compulsória dos servidores públicos.