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Aposentadoria por incapacidade permanente no regime geral de previdência social (RGPS): recentes decisões admitem inconstitucionalidade referente à forma de cálculo do salário de benefício trazida pela reforma previdenciária

Com o advento da Reforma da Previdência através da EC 103/2019, a aposentadoria por invalidez passou a ser denominada aposentadoria por incapacidade permanente, sofrendo alterações em sua forma de cálculo.

Na regra anterior, vigente até 11/11/2019, a remuneração consistia em 100% da média (considerados os 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994). Com o advento da EC 103, em 12/11/2019, alterou-se o percentual, importando, a partir de então, em 60% da média (considerados todos salários de contribuição desde julho de 1994), acrescido de 2% a cada ano que exceder 15 anos de contribuição para mulheres e 20 anos para homens.

Sendo assim, torna-se cada vez mais difícil o recebimento do benefício em sua integralidade, haja vista que, para alcançar os 100%, o segurado deverá possuir 40 anos de contribuição se homem e 35, se mulher. Veja-se:

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (ANOS) E PERCENTUAL CORRESPONDENTE:

Ressalta-se que os casos de invalidez decorrentes de acidente do trabalho e de doenças profissionais ou do trabalho continuam sendo remunerados em 100% do salário de benefício.

Com a distinção havida entre os tipos de moléstia citados, fora levantada a hipótese de inconstitucionalidade da norma vigente, por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia (art. 5º CF) e irredutibilidade salarial (art. 194 CF). Além disso, o salário de benefício da aposentadoria ficaria em patamar muito menor que o do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), que permaneceu no patamar de 91% da média dos salários de contribuição. A distinção trazida pela última Reforma é uma completa discrepância, pois concede ao segurado acometido por incapacidade permanente, um benefício extremamente menor àquele concedido ao segurado acometido por incapacidade temporária!

Decisões recentes e pioneiras dos Juizados Especiais Federais do Sul do País reconheceram a inconstitucionalidade do cálculo determinado, gerando importantes precedentes. Em pelo menos três casos, dois deles na Turma Recursal do RS e um na TRU dos JEF’s da 4ª Região, reconheceu-se que os segurados incapacitados permanentemente tem direito a receber 100% da média salarial em suas aposentadorias, e não somente aqueles cuja invalidez decorreu de acidente do trabalho e de doenças profissionais ou do trabalho.

Cita-se, por exemplo, o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei(PUIL) 5019205-93.2020.4.04.7108, cuja ementa assevera:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALTERAÇÃO DA FORMA DE CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE NÃO ACIDENTÁRIA INTRODUZIDA PELA EC Nº 103/2019. PEDIDO PROVIDO. 1. Os §§ 2º e 5º da EC nº 103/2019 alteraram profundamente a forma de cálculo do valor da renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária, estabelecendo que, até o advento de lei que discipline o seu cálculo, esse valor deva corresponder a 60% (sessenta por cento) da média aritmética simples dos salários-de-contribuição contidos no período básico de cálculo (PBC), com acréscimo de 2% (dois por cento) para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição para segurados homens ou 15 (quinze) anos de contribuição para seguradas mulheres. 2. Ocorre que essa profunda alteração de forma de cálculo foi levada a efeito apenas em relação à aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária, importando em uma redução de 40% (quarenta por cento) do valor nominal anteriormente praticado e padecendo de inconstitucionalidade, pois, nessa parte, a reforma previdenciária violou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além das garantias constitucionais de isonomia e de uniformidade, previstas no art. 5º, caput, e na primeira parte do inciso II, parágrafo único, do art. 194 da Constituição Federal, em contraste com a aposentadoria por invalidez acidentária, com o auxílio por incapacidade temporária e com as demais aposentadorias. 3. A seletividade e a distributividade na prestação dos benefícios e a equidade na forma de participação no custeio, previstas como objetivos da Seguridade Social nos incisos III e V do parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal rechaçam a possibilidade de aniquilamento do caráter substitutivo dos rendimentos do trabalho em virtude de drástica redução no valor da aposentadoria por invalidez não acidentária, que consubstancia o benefício previdenciário que compõe por excelência o núcleo essencial do Direito Previdenciário, sob pena de transmutação de sua natureza previdenciária em natureza assistencial. 4. A aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária é um benefício previdenciário substitutivo dos rendimentos do trabalho, que envolve a participação efetiva do inválido em seu custeio, e que não é um benefício assistencial destinado apenas à satisfação do mínimo existencial, tampouco de uma renda mínima. 5. Portanto, mesmo após o advento da EC nº 103/2019 o valor da renda mensal inicial (RMI) da aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária deve continuar correspondendo a 100% (cem por cento) da média aritmética simples dos salários-de-contribuição contidos no período básico de cálculo (PBC), da mesma forma que no regime anterior e da mesma forma que a aposentadoria por incapacidade permanente acidentária no regime dessa emenda, consoante previsto em seu art. 26, § 3º, inciso II. 6. Pedido de uniformização provido. (5019205-93.2020.4.04.7108, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora para Acórdão JACQUELINE MICHELS BILHALVA, juntado aos autos em 15/03/2022) (grifo nosso).

Em brilhante exposição, em voto divergente no PUIL citado, o Des. Daniel Machado da Rocha bem dispôs:

“Tenho que, após a edição da Emenda Constitucional n.º 103/2019, quando da transformação do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, não pode ser aplicado o disposto no art. 26, § 2º, III, da referida emenda constitucional, sob pena de ofensa ao artigo 194, parágrafo único, IV, da Constituição Federal de 1988, e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo, ao contrário, ser mantido o valor do benefício originário. A propósito, a 4ª Turma Recursal dos JEFs / RS firmou entendimento no sentido de que, na transformação do auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente, sob as novas regras trazidas pela EC n.º 103/2019, o valor nominal do amparo previdenciário, após a sua conversão, não pode ser reduzido, sob pena de afronta ao art. 194, parágrafo único, IV, da Constituição Federal de 1988. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE AUXÍLIO DOENÇA EM APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA EC103/2019.VALOR NOMINAL DO BENEFÍCIO NÃO PODE SER REDUZIDO SOB PENA DE AFRONTA AO PRINCIPIO DA IRREDUTIBILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. 1. Hipótese em que o segurado teve transformado o seu auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente após a entrada em vigor da EC 103/2019, em 13/11/2019.2. Embora a legislação aplicável ao benefício seja a do momento da constatação do caráter permanente da incapacidade, o valor nominal do amparo previdenciário por incapacidade, após a sua conversão de auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente, sob as novas regras trazidas pela EC 103/2019, não pode ser reduzido, sob pena de afronta ao princípio da irredutibilidade, previsto no artigo 194, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, bem como ao princípio da proporcionalidade, ante o caráter definitivo da restrição laboral.3. Recurso parcialmente provido.   ( 5015021-19.2019.4.04.7112, QUARTA TURMA RECURSAL DO RS, Relatora MARINA VASQUES DUARTE, julgado em 05/07/2021).”

Em recente julgamento no STF (RE 1360286), a Ministra Rosa Weber, entendeu que a forma de cálculo do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente seria um assunto a ser resolvido nas instâncias inferiores. Tratava-se de um recurso do INSS, referente a demanda em que o mesmo foi obrigado a majorar o valor do benefício em virtude da inconstitucionalidade reconhecida na justiça paranaense e corroborada pela segunda instância. Dessa forma, mantida a decisão da Turma Recursal no sentido do cálculo ser mantido em 100%, face a inconstitucionalidade contida na EC 103/19.

Conclui-se, assim, que os segurados incapacitados de forma permanente não podem perceber menos de 100% da média salarial em suas aposentadorias, sejam elas acidentárias, não acidentárias ou decorrentes de doenças profissionais ou do trabalho. Assim, o cálculo deve ser realizado de acordo com a norma anterior à vigência da EC 103/2019.

Não é aceitável e, muito menos justo que, um benefício temporário seja maior que uma invalidez permanente!

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