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Temer descumpre negociação coletiva e suspende reajustes previstos para 2018 e 2019 em favor de docentes

por Francis Campos Bordas[1]

Como de hábito, a corda arrebentou do lado mais fraco.

Michel Temer editou a Medida Provisória (MP) n. 805, no dia 31 de outubro, pela qual suspendeu a eficácia de reajustes concedidos a servidores federais por leis anteriores (votadas no Congresso Nacional) sendo que, muitas delas, precedidas de negociações coletivas. Além disso, a MP eleva em 27,2% a alíquota dos descontos para previdência, passando de 11 para 14% sobre a parcela que supera R$ 5.531,31. Este aumento no valor do desconto se aplica também aos aposentados e pensionistas e será implementado a partir de fevereiro de 2018, de acordo com o texto da MP.

O discurso legitimador é o de sempre: gerar arrecadação e economia.

No caso específico dos docentes, foram suspensos os aumentos previstos para 2018 pela Lei 12.772/2012, postergando em um ano os aumentos subsequentes. Portanto, o valor negociado para 2018 será pago em 2019 e o de 2019 será pago em 2020.

Considerando que a inflação é um fenômeno real e imprevisível, não se trata apenas de postergar um reajuste, mas, de diminuição do poder de compra dos salários.

De acordo com a redação original da Lei 12.772/12, um professor (seja ele do magistério superior ou do ensino básico, técnico ou tecnológico) teria uma majoração de seu vencimento básico e de sua Retribuição por Titulação (RT) em agosto/18 e agosto/19. Vejamos um exemplo de um professor em início de carreira no primeiro nível da primeira classe (A – para magistério superior e D-I para EBTT):

  Valores previstos atualmente (Lei 12.772/12):

Professor A-1 e  D-I-1

Dedicação Exclusiva

Atual Agosto/18 Agosto/19
Venc. Básico 4.455,22 4.463,93 4.472,64
Retribuição por Titulação (doutor) 5.130,45 5.136,99 5.143,54

 

Como ficará, se aprovada a MP:

Professor A-1 e D-I-1

Dedicação Exclusiva

Atual Agosto/18 Agosto/19 Agosto/20
Venc. Básico 4.455,22 4.455,22 4.463,93 4.472,64
Retribuição por Titulação (doutor) 5.130,45 5.130,45 5.136,99 5.143,54

Cabe lembrar que estes reajustes, que agora estão sendo suspensos, decorrem de leis de 2016, sancionadas pelo próprio vice-presidente, no exercício da presidência.

Portanto, está mais claro do que nunca que houve um descumprimento de um acordo. Uma quebra de palavra. Seria ilógico esperar honradez, compromisso ou sensatez de uma pessoa que ocupa a Presidência e que tem a menor popularidade da história e com tão inexpressiva confiança de seus cidadãos.  De Michel Temer não se pode esperar nada. Mas do cargo que ele ocupa, sim!  O Presidente de uma nação desonrar um acordo é algo grave.

São inúmeros os argumentos que serão usados pelos sindicatos e suas assessorias jurídicas nos enfretamentos que virão, tanto no plano da política sindical como nas esferas judiciais e internacionais.

O mais óbvio resultado desta Medida Provisória é a legitimação de greves, pois (e isto é consenso na doutrina e jurisprudência) toda greve contra descumprimento de acordo é uma GREVE LEGAL.

O segundo aspecto é que o Brasil será levado ao banco de réus das cortes internacionais, pois revogar um acordo de forma unilateral é uma violação às regras internacionais das quais o Brasil é signatário. Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) regulam a negociação coletiva e coíbem este tipo de prática.

E no plano interno, certamente, pulularão ações judiciais alegando descumprimento de diversas normas constitucionais, a começar pela flagrante ofensa ao inciso X do artigo 37 da Constituição Federal que assegura revisão geral anual. Se já é grave o fato do Governo Federal não observar a periodicidade mínima anual de recomposição de perdas inflacionárias, que se dirá da revogação daquelas já concedidas?

E, por derradeiro: não haveria necessidade de demonstração da extrema necessidade orçamentária ou financeira que justifique a drástica medida de alterar algo já programado?  Ora, se para a concessão de reajustes que impliquem aumento de despesa continuada a Lei de Responsabilidade Fiscal exige demonstração de estimativa e origem para o custeio, é razoável se exigir o mesmo em situações opostas. Em outras palavras, é indispensável que o Governo demonstre de forma objetiva que aquele custeio previsto não mais existe.  E, isto implicaria uma segunda ordem de discussão: existe uma ordem de prioridades de despesas; onde se situam os salários? É razoável que os cortes orçamentários iniciem por eles?

Não se esqueça que a Lei de Responsabilidade Fiscal criou um referencial no controle das despesas, dentre os quais a proibição de concessão de aumentos ou reajuste na remuneração dos servidores caso na hipótese de serem ultrapassados os limites de comprometimentos das receitas. Este limite não foi atingido, segundo dados do próprio Governo Federal divulgados para justificar a contratação de operações de crédito.

A exemplo da injustificável postergação dos reajustes negociados, a majoração da alíquota da seguridade social veio desacompanhada de demonstração de sua necessidade e da existência concreta e atual de um desequilíbrio atuarial que justificasse o aumento do custeio.

Portanto, mais uma medida impopular, sem fundamentação técnica e inconstitucional.

[1] Advogado. Sócios do escritório BORDAS ADVOGADOS ASSOCIADOS, Porto Alegre, RS. Membro do CNASP – Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos. Integra a assessoria jurídica de entidades de servidores federais tais como ADUFRGS Sindical, ANTEFFA, FASUBRA, SINDAGRI/RS, SINDIEDUTEC/PR (em parceria com RRP Advocacia), ADUFG (em parceria com o escritório Eliomar Pires & Ivoneide Escher Advs Assoc., Goiânia, GO)